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Apresentação histórica de Fantasia Leiga Para um Rio Seco encerra a primeira edição da FliConquista
20 de novembro de 2023

Instrumentos de corda e sopro, um conjunto de coral, a voz potente do cantador Xangai e as precisas batutas do maestro João Omar deram vida à paisagem sonora da Fantasia Leiga Para Um Rio Seco, que encerrou a FliConquista no último domingo (19) como um marco cultural histórico. Para surpresa da plateia, Elomar juntou-se a ela para apreciar o espetáculo.

Outros elementos se uniram para compor a narrativa literária da Fantasia Leiga: no teatro principal do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima, as luzes incidiam sobre a orquestra, resplandecendo sobre o tablado, como um sol inclemente. O público contribuía para emoldurar a cena, mantendo um silêncio compenetrado que ecoava o rigor enxuto do sertão. 

A apresentação, performada pela Orquestra Conquista Sinfônica, é histórica, pois só havia ocorrido uma vez após 42 anos de seu lançamento. Em Vitória da Conquista, era inédita. A montagem da Fantasia foi possível graças aos esforços do maestro João Omar, que se empenhou no resgate, estudo e reescrita das partituras. 

Em diálogo com o público, Elomar, o Menestrel, contou ao público qual é a sua fonte de inspiração para escrever obras-primas como Fantasia Leiga Para Um Rio Seco: “A minha infância foi embalada por histórias contadas por meus avós e o pessoal de ‘mais de idade’. Toda minha obra musical e literária é resultado de farelos e retalhos de histórias que ouvi”. 

O maestro João Omar expressou satisfação por ter trazido à luz esse legado do seu pai, Elomar. Para ele, a culminância desse momento representa a valorização e o esforço pela conservação de uma obra erudita que seja verdadeira e orgulhosamente nossa. “Estamos dando acesso à música brasileira, à música baiana, à música conquistense, para que o público, de todas as idades, possa perceber o quão grandiosa ela é”.

Para completar o quadro, foram convidados os violonistas Petrônio Joabe e Yuri Barreto, que possuem prestígio internacional. O público foi contemplado com o preâmbulo do sociólogo Cézar Lisboa, que contextualizou o pano de fundo da obra, e com um livreto produzido pela FliConquista, com textos do próprio Cézar Lisboa e de João Omar, contendo também as letras dos cantos. 

A viabilização da Fantasia Leiga Para Um Rio Seco contou com a produção e o incentivo dos curadores da FliConquista, Ester Figueiredo e Elton Becker. Após a apresentação na FliConquista, a expectativa é de que esse legado cultural conquistense possa repercutir cada vez mais, no Brasil e em todo o mundo.

 

Sobre a Fantasia

 

Cadê os pé dos imbuzêro
qui florava todo ano
nas baxada e nas vereda mana mīa
adeus pé dos imbuzêro

 

 A obra narra os eventos da Seca do Noventinha, que castigou a população do Nordeste no final do século XIX, concentrando-se especialmente no Sudoeste da Bahia. As condições climáticas, somadas ao contexto social de exploração, resultaram em tragédia social: fome, êxodo rural e morte.

A Fantasia Leiga, dividida em cinco cantos, acompanha a jornada de um retirante que perdeu família, terras e foi forçado a abandonar seu lar: “Incelença pra Terra que o Sol Matou”, “Tirana”, “Parcela”, “Contradança” e “Amarração”.

É Xangai que encarna a voz humana desolada diante de um solo árido e improdutivo. Desesperado, ele suplica intervenção sagrada, que na Fantasia é simbolizada pelo coral de vozes. Cézar Lisboa, sublinha que “para esse homem, o sagrado é o componente fundante de sua vida”. 

Ele explica o que a fé significava para os desvalidos naquele contexto de fome e emigração: “Quanto mais se afasta de seu lugar, mais encontra dilaceração. A cada passo, o narrador vê suas forças minguarem e, diante do terror do caos, lhe resta mergulhar ainda mais no mundo do sagrado, sedento por participar da instância do ser que restaura a ordem cósmica”.

No quinto ato, que aprofunda os contornos épicos, nos despedimos do personagem principal: mas de repente aos olhos da crença/ vejo na frente um chapadão sem fim/ um céu aberto uma luz imensa/ santos e anjos cantando para mim. 

 

Texto: Érika Camargo

Fotos: Vinicius Brito

 

A FliConquista é realizada pelo Coletivo Barravento, composto por professores, produtores culturais, intelectuais e entusiastas da literatura, e conta com a parceria do Studio Palma e o apoio da Fundação Pedro Calmón, Governo do Estado da Bahia e Governo Federal do Brasil. A programação é completamente gratuita.