No dia 13 de novembro, o escritor Manoel Herzog trouxe reflexões importantes sobre literatura para além do consumismo e da realidade que vivenciamos como a base para a descrição de mundos não-utópicos
O autor de livros como “A Língua Submersa” (2023), “A Jaca do Cemitério é mais doce” (2017) e “Boa noite, Amazonas” (2019), Manoel Herzog participou da FliConquista na última quarta-feira, 13, com a Conferência de Abertura “Literatura para criar mundos no mundo”, com mediação de Elton Becker. Durante a conversa, o escritor abordou temas importantes sobre meio ambiente, literatura como espaço de formação e democracia, que nos permite ver, criar e recriar universos despertando olhares que transformam a nossa realidade.
O romancista nascido em Santos (SP) descreve em seus romances personagens que criam uma ficção de si mesmos, ou seja, uma autoficção dentro da autoficção. Para além disso, suas obras tratam de um mundo afundado em um nome impronunciável, o autor afirma escrever para fazer as pessoas rirem e pensarem.
Citando o escritor alemão, Thomas Mann, Herzog diz que “o primeiro homem que riu não riu senão por obra do Diabo. E o que é o riso? O riso é a nossa maneira de defesa. O homem ri para se defender. Porque se você não se contrapuser ao horror da existência, ao menos, com o riso, você se pune desgraçadamente”, afirmou o autor.
Dessa forma, se pode presumir que “a existência é um horror engraçado”, conforme trecho do livro “A Língua Submersa” (2023). Mas tratar do riso e do horror faz emergir questões relacionadas às utopias e seus avessos, denominados distopias. Não se trata de garantir um mundo ou mundos criados baseados em futuros utópicos ou distópicos, já que a busca de Herzog é a partir das realidades mundanas que estão aí expostas e que são factíveis. Muito embora ele trate disso em termos ficcionais, sua ficção estabelece alguma relação com o mundo como ele é.
Para Manoel Herzog, as distopias podem ser encaradas como modelos literários advindos da literatura norte-americana. “É claro que nós temos distopias clássicas, que passaram a consolidar um pensamento literário a partir da segunda metade do século XX e que coincide com os finais das guerras, a ascensão do nazismo, do fascismo, crise do capitalismo, e tudo que desemboca no horror que nós vivemos hoje”. Dessa maneira, o escritor compreende que as coisas não são necessariamente distópicas, mas sim o ato de deduzir as possibilidades de uma situação que está colocada: a miséria humana, a crueldade de Deus, o mundo inóspito, etc. “E todas essas situações não fazem com que nós cheguemos a uma outra conclusão de que o mundo vai estertorar em grande sofrimento”, afirma.
O autor reflete, também, que deduzir essas possibilidades de situações dadas fazem ser possível olhar para a sociedade que está colocada para nós e detectar suas ações, como o crescente desmatamento, o consumismo exacerbado e políticas execratórias.
A sua “criação” de mundos explora as possibilidades de um mundo ficcional que surge a partir da sociedade. “Boliviana Zumbi”, do livro “A Língua Submersa”, faz referência a Simón Bolívar e Zumbi dos Palmares, e surge na ficção após o país ser submergido pelas águas do mar. A catástrofe climática resulta em um novo Estado, onde se fala uma espécie de portunhol. “O livro trata da morte de um projeto de país que sucumbiu e a sociedade futura preferiu enterrar, rebatizar e falar uma outra língua. E ainda é uma coisa que ainda denota uma nação e um projeto coletivo longe do racismo, do machismo e toda essa praga que parece ser uma formação estrutural. Pois a nossa língua nos dá a possibilidade de sermos um coletivo”, disse Herzog.
As reflexões críticas de Manoel Herzog se estendem para os prêmios literários, já que, para ele, as obras não precisam ser colocadas em primeiro ou segundo lugar, pois não existe meio justo para determinar um valor de uma obra, pois elas não são mensuráveis, mas subjetivas. Nesse sentido, Herzog afirma que a literatura não é consumismo, não pode estar atrelada a objetivos capitalistas, mas sim atuar como um espaço de liberdade. “A literatura não é um produto de consumo e não vai mudar o mundo, mas ela aponta um caminho”, ressalta o escritor.
Para finalizar a Conferência, ele afirmou que a literatura é um lugar de acolhimento, de prazer de ler um livro, de transformação, de formação e reflexões que movem as coisas do mundo de lugar. A literatura nos faz sentir as dores, as paixões, os amores, pensamentos, sentimentos e sentidos de outrem e, por vezes, esse outrem somos nós mesmos. Pois a literatura possui um caráter coletivo e reivindica seu lugar linguístico e da língua imersa em palavras e descrições de mundos possíveis.
* A Feira Literária de Vitória da Conquista (2024), realizada entre os dias 13 e 17 de novembro, conta com o patrocínio do Governo Federal e do Governo do Estado da Bahia, através da Bahia Literária, ação da Fundação Pedro Calmon/ Secretaria de Cultura e da Secretaria de Educação, e apoio do Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
Texto: Larissa Caldeira
Fotos: Igor Chaves