Uma palavra escrita é a mais fina das relíquias.
Henry David Thoreau
Nesta sexta-feira (17), a mesa: “Literatura Nordestina” alumiou as palavras com as cores do sertão na abertura do terceiro dia da primeira Feira Literária de Vitória da Conquista, no Centro de Cultura Camillo de Jesus Lima. A conversa temática provocada pelo escritor e membro da Academia de Letras de Campina Grande, Efigênio Moura e pela mediadora do clube de leitura “Danado de Bom”, Marla Moreira, abordou o realismo e a valorização ancestral da fala, os preconceitos linguísticos e a potência da mulher nordestina.
O coordenador da FliConquista, André Effgen realçou a ressignificação da cultura literária realizada pela Fliconquista ao empreender espaços que engradecem as origens do povo nordestino. Segundo André: “Essa mesa tem uma importância tremenda no contexto da feira literária, afinal de contas, estamos aqui em Vitória da Conquista, na Bahia, no nordeste do Brasil. E essa mesa visa valorizar as raízes da nossa tradição literária, que, muitas vezes, pelo contexto europeizante que ainda temos na academia acabam relegadas à uma literatura de segunda classe. A literatura nordestina é rica, viva, poderosa e nada melhor do que a promoção de mesas assim para discutirmos essa questão”.
O escritor Efigênio Moura abriu a conversa acentuando a pluralidade da língua brasileira, expondo a dualidade do linguajar simples e formal: “Esse confronto entre a variação linguística é fantástico, por exemplo, o rir e o mangar, o oxente e o nossa senhora”. Efigênio completou a fala revelando a inspiração de sua escrita: “Quando eu escrevo como se fala, na verdade, eu estou respeitando os nossos ancestrais, dando realidade às nossas histórias”.
Por meio da utilização da português oitocentista, o autor traz a reflexão oriunda do pensamento da professora Iêda Maria: “Quem foi que disse que a escrita tem que vir primeiro que a fala, adonde está escrito isso? Por que a gente tem que escrever certo aquilo o que falamos errado? E o que é falar errado? Quando eu faço comunicação que se entende e se diz – O fato de eu escrever: nessa caatinga grisaia o que guia eu é o pretume dos óio dela, então nessa caatinga grisalha o que me guia são os negros olhos dela”.
A conversa seguiu com a rememoração do legado histórico de autores que asfaltaram o caminho das produções literárias levantando a poeira dos sertões como: Patativa do Assaré, João Ubaldo, Jorge Amado e Ariano Suassuna que inspiram milhares de escritores e escritoras pelo Brasil, principalmente na região Nordeste do país.
Efigênio destacou o incentivo ao consumo cultural advindo dos próprios lugares de nascença nos espaços de formação, como um pilar na construção da identidade e memória humana: “As nossas salas de aula têm acesso a nossa tradição da oralidade. Daí vem a importância de ter cursos e professores nos ambientes de aprendizagem que incentivem a valorização da escrita regional”. E acrescenta: “ Imagine se em Vitória da Conquista tivesse as disciplinas com os autores conquistenses, não seria maravilhoso estudar a gente mesmo? Se vocês pegassem um livro em sala de aula e levassem para eles as ruas de Vitória da Conquista, não seria empolgante? Os alunos estariam pisando na história, extraindo aquilo que é deles”.
Ao tratar das ondas de preconceito e esvaziamento com a ambientalização de cenários ligados aos livros que falam das raízes da terra nordestina, Marla questionou Efigênio sobre a centralidade da seca nas produções. O escritor ressaltou que “qualquer história nordestina, sente o bafejar da seca no cangote, porque é uma coisa nossa, não podemos ignorar. A seca é presente, desde que a gente chegou, que o mundo é mundo, que a seca é nordestina. Graciliano Ramos em “Vidas Secas” e Patativa do Assaré com “ A triste partida” escreveram sobre a seca mas não deixaram de tratar questões sociais”.
Segundo pesquisas da Safernet, a região Nordeste do país é a que mais sofre com casos de xenofobia originados pela discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, cultura ou procedência nacional. Dados mostram que as denúncias nas redes sociais aumentaram cerca de 874%. Ao ser perguntado sobre os desafios a serem combatidos contra a xenofobia, Efigênio declarou que uma das maiores barreiras a serem transpassadas para se combater o preconceito linguístico é a falta de conhecimento da cultura e sublinhou que o orgulho e a apreciação de ser como se é são as principais armas de combate: “O maior desafio que nós temos, somos nós. Conhece a tua aldeia e da aldeia e da tua aldeia tu explora o mundo seja do jeito que for. Se combate a xenofobia e a discriminação linguística a partir do momento que você se assume e valoriza a sua fala e a sua cor, você desestrutura esse sistema”.
Marla ressaltou a bravura da figura feminina, associando-as as personagens “Belonísia e Bibiana” do livro “Torto Arado”, escrito por Itamar Vieira Junior, e perguntou ao autor como se dava a representatividade da mulher em suas obras. O autor respondeu citando a universalidade da participação feminina: ”Não há coisa que não haja pelo menos o cheiro da mulher, a escrita já é uma palavra feminina. A partir deste momento, você já está com a mulher dentro do livro. A mulher nordestina ela é, primeiro, resistente. Uma mulher que não sucumbe diante das adversidades. Ela está presente em minha literatura de todas as formas”.
O escritor finalizou a mesa agradecendo pela participação na primeira edição da Feira Literária de Vitória da Conquista, declarando sua admiração ao povo conquistense e ao clube de leitura Danado de Bom. “Que leiam mais o nordeste, que falem mais e se orgulhem de serem quem são, daquilo que forem, daquilo que tiverem e da roupa que usarem, da forma que for, se orgulhem!”.
A historiadora e visitante Ana Kelly Meira assistiu à mesa e declarou seu contentamento. Para ela, a promoção de colóquios que lançam luz à riqueza e às raízes da literatura nordestina são valorosas ao passo que essa cultura é muito desvalorizada.
Em entrevista exclusiva para a FliConquista, Efigênio revelou os 14 livros que mais marcaram sua vida: “Eu cito duas obras: Sertão de Bodocongó que retrata a vida humana e Currulepes voltado as crianças que não conhecem as raízes da caatinga. Mas se eu for lá atrás, certamente Sertão de Bodocongó me definirá, é como se fosse uma autobiografia”. O autor deixou um recado para os jovens escritores que desejam alçar novos vôos com a palavra na ponta dos dedos: “Conheça aos autores, e aos estilos para se tornar maior dentro de sí. O principal conselho é não desistir, ler e jamais comparar a sua obra com as demais”.
A FliConquista é realizada pelo Coletivo Barravento, composto por professores, produtores culturais, intelectuais e entusiastas da literatura, e conta com a parceria do Studio Palma e o apoio da Fundação Pedro Calmón, Governo do Estado da Bahia e Governo Federal do Brasil. A programação é completamente gratuita.
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Texto: Rafaella Leite. Parceria FliConquista, sob orientação de Paula Janay, e Avoador, produto laboratorial da disciplina Jornalismo Digital, do curso de Jornalismo da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
Fotos: Vinícius Brito.